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  • SonHo 1º dia: fotos acompanhantes

    SonHo 1º dia: fotos acompanhantes

    Lançamento livro Pedras’21 – Travessa Gaspar Trigo

    Tigelinha – Calaçada de Santana

    Parker – Martim Moniz

    Parker – Bangla Rua do Benformoso

    The golden scarf

    Fotos: Álvaro e Marcin

  • Prelúdio do sonHo: vegetar o pensamento

    Prelúdio do sonHo: vegetar o pensamento

    No primeiro dia do Pedras22 passámos uma tarde no campo, no Parque Florestal de Monsanto, a convite da Teresa Castro e de mim próprio. A proposta de mergulho no verde e de alimento para os sentidos, o corpo e a mente, teve como ingredientes um piquenique no pinhal, uma caminhada que convidou à escuta dos prodigiosos seres vegetais (e não só) que ali habitam e uma conversa transpensar à sombra da azinheira-caramanchão, que foi para mim poiso de demora e de estar-com desde o final de Abril. Para refletir sobre a nossa relação com o mundo-mais-do-que-humano e considerar como as plantas, as florestas e outros seres orgânicos ou minerais podem ser mediadores dessa relação, trouxemos trechos de escritos de Ailton Krenak, David Abram, Donna Haraway/Vitor Chiodi, Emanuele Coccia, Jean-Baptiste Vidalou, Mia Couto e Robin Wall Kimmerer – que pendurámos na azinheira e que podem ser acedidos nesta ligação. Aquela azinheira, assim como o próprio parque florestal, acabaram por ser os melhores testemunhos de como os seres vegetais podem ser noss@s companheir@s na reinvenção de um sentir-fazer-mundo em simpoiese.

    Álvaro

    Piquenique

    Caminhada

    Conversa

    Fotos: Marcin e Álvaro

    Vídeos curtos disponíveis no FB do c.e.m: aqui, aqui e aqui

  • Vibrar

    Vibrar

    J’arrive en haut da Calçada da Graça. Os pensamentos papillonant entre ce qui est intéressant à l’endroit où se croisent les choses et l’atmosphère de la rue teintée de la marche que je viens de finir. Cheia de poesia e não só. Cheia também dessas poeiras que nos dizem também “as sombras das árvores escorrem na calçada” o “há um som das obras ali perto”. Agora um casal passa, uma velinha com um casaco de cor-de-rosa e se calhar o seu filho dando o braço para ela. Hoje essa entrada na escrita é engraçada, parece que não está levada nem por ela mesma mas está cá na mesma, fininha na tessitura física do dia. As sombras dos pinhos também escorrem na página branca do caderno. O vento traz o mar.

    Pelotes de laine. Pelotes de bourses, de poches, de sons étincelants. Relaxamento interno. Exclamações. “Flâner”. Permanecendo. A pele da pedra. Permanecendo. Permanecendo.

    Sinto que abri esse caderno em que possa brotar o que que o Pedras está me convidando esse ano e é outra coisa que está acontecendo, se calhar… Quero voltar na escrita… Duma outra forma.. Como um ensaio.

    Escrever. Escrevendo Com a possibilidade que se mescla o sonho de escrever algo outro. Directamente no computador. Outro cheiro. A vida luzinha. Algo mais firme, que seja mais perto da minha sensação agora.

    Desço um pouco as escadinhas caracol da graça. O vento, diferente, me traz brumas de outras pessoas que são eu também, que levo comigo como os desejos, os sonhos, as coisas são levados a mais que um. O peito se transforma em ventinho que também traz a possibilidade de investigar, de experimentar corpo. E agora uma mulher que se para e que me diz gentilmente que “costumam mijar de cima na parede onde estou apoiada” .. Ah fogo.. enquanto o rio da escrita se faz mais grosso, enquanto o vento e a garganta se juntam também. Essas aproximações sempre diferentes que eu posso ir aprendendo com elas também e com que o Pedras pode ir recolhendo enquanto alguma coisa se faz cidade o alguma coisa se faz desejo o alguma coisa brinca de trocar palavras o alguma coisa prefere uma palavra a outra, com todo o respeito. O Saldek me ensina essas coisas também.

    Nas escadinhas, penso no encontro com o Saldek e com o TRI-TRI-TRI como nascimento de criações que brotaram de fluxos, seguindo crestas da pulsação coline-mundo gritando que queiram co-criar e co-criar… sem saber…

    Desde as profundezas do corpo é possível ouvir. E dentro do muito muito que nos rodeia e nas quais não posso estar indiferente, confiar que essas forças nos quais navegamos, sempre tanto diversas, elas são, elas vivem enquanto corpo solto que sempre pode dar companhia. Penso que tenho realmente uma dificuldade no como me comportar em relação a um espaço imenso que poderia ser o nada o outra coisa, uma sinfonia de coisas ajuntadas. Se calhar esse “espaço” se sinta demasiado atingido pela ferida que os humanos fazem a terra, sinto que posso ainda aprender em relação a ouvir esse “espaço” continuando vibrar, sem deixar ir as partículas do meu corpo num lugar onde elas não vão criar “porque o mundo é muito ferido” o “porque em qualquer lugar que se anda na cidade está cheio de bonecos que nem tem carinho pela uma máscara própria”.

    As máscaras das caras, que não são máscaras, que são máscaras…

    Continuar. Vibrar.

    Coline

  • Pequeno rol das miudezas

    Pequeno rol das miudezas

    No Bruxas e curandeiros na Lisboa joanina encontro uma lista de objetos que foram retirados a uma senhora acusada pela Inquisição. Mando-te anexa. Neste livro agora, tenho me relacionado mais com as palavras soltas ou com as listas & as variações infinitas da ortografia. 

    Parece que há uma conversa bonita entre o marulhar da água e as palavras em ponto de materialidade. Também podemos falar sobre as narrativas, ainda que me pareçam demasiado coladas a uma leitura das bruxas e os curandeiros que já conhecemos, que os relega à morte a que a Inquisição os condenou.

    No entanto, as histórias se espalham como ondas no rochedo, nosso dna traz as espirais que se encontravam em todos os rebeldes.

     […]

    Surgiu-me o espaço do Beco do Índia, do qual também mando fotos. É um beco sem saída bastante inclinado, que me dá desejos de atirar águas lá de cima, nada de chafariz, porém podemos usar alguidares. Que achas?

     […]

    hum cobertor de papa

    tres galinhas

    hum papagaio

    huma cobertura das almofadas de sofuliel

    hum candieyro de quatro lumes

    Dois baus de moscovia fechados que vaõ

     […]

    huma cama que consta de dous clochois tres lansois hum travesseiro ou huma fronha Duas colchas da terra uma branca e a outra lavrada de azul e vermelho

    […]

    mais um baú sem fechaduras q vay pregado com fato dentro

    bernardo rb

  • criar

    criar

    mais um dia de inventar o livro do pedras’21.

    mais um dia de manualidades, de cortar papéis verdes e azuis, deslizar os pincéis com cola, tocar o papel, vincar a dobra, ajuntar as fotos.

    gestos que vão se fazendo gestos desde o interior da pergunta: que corpo é este que acompanha o aparecer de algo? deste algo? como é que vamos nos movendo e o que vai se dando a ver para que esta coisa, (este bicho), possa aparecer?

    acompanhar o desejo de um livro que nasce… que quer ser assim e não assado… para além daquilo que eu quero tanto que ele seja. é um fazer muito concreto. enquanto escolhemos, damos feedback, lidamos com as condições, com as disponibilidades e desejamos… ouvimos.

    as mãos aprendem a criar as dobras e o léo diz: “que bom fazer isto junto, sinto muita calma no fazer”. há uma confiança que acalma e que o não-saber da criação de cada livro pedras ensina… sabemos que ele vai nascer.

    mas há algo que não permite que os gestos se otimizem, que se aprisione o brotar do ritmo, que apresse o fazer, que crie algum tipo de estresse. por mais ‘técnico’ que seja o gesto, ou a repetição, a precisão e a agilidade que o fazer nos convida… há sempre uma reserva de infinito que o acompanha. que permite que o gesto (qualquer que seja) continue a nascer. vai ver é isto que é magia!

    corpo ondulante, que navega com o ajuntar e o desajuntar enquanto também convida a que se ajunte um pouco mais ali, um pouco mais aqui.

    penso no que o pedras me ensina… num certo sentido, descascar o querer, descansar as projeções, suavizar os contornos, demoradamente criar um corpo possível de continuar a estar com o acontecimento qualquer, e tudo aquilo que daí se desprende ou gruda no corpo.

    agradeço ao c.e.m por gerar um espaço onde é possível praticar e adensar essas atenções. aprendizados que são depois transportados pelo corpo, se continuam no espaço e no lugar qualquer, num trabalho intenso de polinização micropolítica.

    obrigada c.e.m por ser ninho de tantas germinações….

    isadora

  • Como reparar (n)o irreparável?

    Como reparar (n)o irreparável?

    Quintal do Zé: Maio e Junho 2020

    Para Isa, com carinho

    Álvaro

  • vida!

    vida!

    pulsa a caminhada no corpo. vimos ao quintal do Zé. ouvir. apanhar o lixo, colher as plantas que já secas tem as raízes muito curtinhas… ajuntá-las para que possam nutrir as ainda verdes no balanço do tempo. os gestos brotam de uma alegria do corpo que vai movendo os afetos.

    o quintal está machucado… encontramos cacos de loiças e pedaços de brinquedos que antes pousavam por entre as plantas, flores, rosas, suculentas… quando o quintal era habitado. também há placas de metal, maços de cigarro, cocô de cachorro em um saco de plástico metido no meio das ervas.

    e… espinafres, funchos, abóboras e carambolas… vida criando caminhos que não é possível sufocar… se movendo por outras profundezas…

    imagino uma mesa e um vaso que quero trazer para o reenactment, vejo a dança na sua possibilidade de partilhar vida. aprendendo que a presença do corpo e o amor são revolucionários…

    isadora

    VÍDEO

    no quintal do Zé havia uma horta bem tratada, mesinha para piquenique, árvores e flores e brinquedos e vasos de porcelana… muitos anos cuidando de uma terra esquecida pelo poder público, criando um espaço pulsante de estar, sem nunca fechar a porta a ninguém. disseram que havia risco de incêndio e cortaram as couves e as árvores, removeram tudo o que lá havia e nunca deram continuidade a esta ação. o quintal seguiu recebendo lixo de quem por ali passa. VÍDEO

  • Transpensares: a vida como simpoiese

    Transpensares: a vida como simpoiese

    ‘We’ are not ‘one’ / We are not alone, Natasha Myers

    No one acts alone, Donna Haraway

    Uma das primeiras perguntas que lançámos para as conversas transpensar sobre o mundo-mais-que-humano das 2ªs-feiras foi: o que é (a) vida? Pergunta que pode ter tantas respostas quantas as visões de mundo que quisermos invocar. Desde a narrativa biomecanicista patente no vídeo ‘What is life?’, à reflexão panpsiquista do filósofo Tam Hunt, passando pelo conceito de negentropia de Erwin Schrodinger ou pelos sistemas colaborativos propostos pelos filósofos da ciência John Dupré e Maureen O’Malley, vários foram os nossos acessos àquela questão. Como microbiólogo que continuo a ser, a pergunta pode ser usada para percorrer a diversidade de formas de vida que existem no planeta, muitas das quais só foram reveladas ou estudadas em detalhe nos últimos decénios, e que apelam a ampliar a nossa visão sobre o mundo vivo e a abandonar as abordagens hierárquicas e míopes que estão ainda hoje presentes nas chamadas ciências da vida e na sociedade em geral. Sem dúvida que sabemos, ou intuímos, muita coisa sobre as formas diversas em que a vida se manifesta, como ‘funcionam’, como interagem, como evoluiram e até como terão surgido. Mas essas abordagens empíricas e racionais tendem a construir uma imagem da vida como mecanismo que nos afastam da verdadeira natureza dos organismos. E a vida não tem apenas uma faceta material. Aliás as diferentes sociedades humanas sempre lhe atribuíram um carácter espiritual ou sagrado, através das suas narrativas ou cosmologias. No entanto, a modernidade ocidental foi substituindo os mitos pagãos e as narrativas religiosas sobre a vida pelo conhecimento trazido pelas ciências e pela tecnologia, e adicionou-lhe outras dimensões, como a das leis e dos direitos, numa tentativa de a gerir e administrar. Fomos assim impelidos para uma visão utilitarista dos viventes como recursos naturais e arrogámo-nos o direito de explorar e dominar outras formas de vida (e destruir ecossistemas inteiros) em nome de uma prosperidade dita ‘económica’. Apesar de todos os avanços alcançados no conhecimento sobre a vida e na gestão das sociedades humanas, entrámos no século XXI com uma plena consciência de que muito desse conhecimento e engenho se tinha afinal tornado uma ameaça para a própria vida – a dos humanos e a dos não humanos. E apercebemo-nos de que as formas sofisticadas de gestão das sociedades humanas nos tinham afastado do cuidado pela vida e amputado a empatia pelos outros viventes, porque criaram a ilusão de que aquele conhecimento científico e tecnológico nos permitiria autonomizar-nos da nossa base de sustentação: os ecossistemas vivos. A economia humana tornou-se na antítese da ecologia natural. A possibilidade das nossas sociedades, ditas ‘desenvolvidas’, se voltarem a relacionar de forma equilibrada com o mundo-mais-que-humano, depende agora duma mudança de paradigma, que nos permita transformar o nosso papel de meros gestores e dominadores da vida para o de cuidadores e guardiões, guiados por atitudes de reciprocidade e de empatia. Como aliás sempre o fizeram e continuam a fazer alguns povos indígenas, cujas cosmovisões e estruturas sociais, que integram a natureza na sua vida quotidiana, as nossas sociedades têm desvalorizado ou ignorado como primitivas. Pior do que isso, esses povos foram sujeitos a processos brutais de expropriação e genocídio em nome da prosperidade económica de uma parte privilegiada da humanidade. A colonização dos humanos por outros humanos reproduz as atitudes de domesticação, dominação e mercadorização das outras formas de vida que ameaçam agora a nossa própria sobrevivência.

    O culminar do excepcionalismo humano cultivado por uma parte da humanidade é a auto-designada era do Antropoceno, em que o próprio ser humano se torna força geológica, atribuindo-se também a si próprio o papel de salvador da catástrofe por si causada. Vários autores têm criticado ou recusado aquela designação, não só pelo evidente antropocentrismo que lhe está associado, mas também por insinuar que o ‘antropos’ é uma entidade universal e homogénea, escamoteando assim a natureza socioeconómica e cultural dos processos que estão na base dos problemas e os diferentes graus de responsabilidade de diferentes povos, comunidades e instituições naqueles processos. É no fundo a própria visão dominante de mundo e de vida que está em causa, na medida em que se baseia numa separação dos seres humanos do restante mundo vivo e não-vivo. Têm surgido várias vozes críticas e visões alternativas de diversos filósof@s, ecologistas polític@s, antropólog@s, ecofeministas, activistas, etc. que defendem que apenas uma religação radical com o mundo-mais-que-humano nos pode afastar do rumo ecocida e suicida em que nos encontramos. Uma dessas vozes é a da filósofa Donna Haraway que propôs a designação de Chthuluceno para uma nova época de sustentabilidade regenerativa caracterizada pela simpoiese, que significa fazer-com/devir-com. Haraway propõe assumir as relações colaborativas e empenhadas entre seres terranos (incorporados na própria terra) como narrativa e como modo de vida, numa tentativa de recriar-resgatar o(s) comum(ns) e de (re)ligar artes, ciências, tecnologias e pensamento. Encarar a vida como simpoiese é assumir que ‘não se é corpo sozinho’, que ‘eu sou porque nós somos’, que nunca fomos indivíduos (isso é uma doença do racionalismo cartesiano e do paradigma socioeconómico dominante) e que somos todos holobiontes – é colocar o enfoque nas relações: nas deformações, nas simbioses, nos parasitismos (que são também simbioses), nas reciprocidades. Podemos assim talvez contar novas histórias que desfaçam as narrativas do excepcionalismo humano e da dominação, regenerando mundos cheios de vida em (parafraseando Darwin) “intermináveis formas, tão belas e admiráveis, que a partir de um começo tão simples, evoluíram e continuam a evoluir.” Mais do que tentar definir (a) vida, o que importa afinal é saber como podemos com-viver, na companhia dos viventes-mais-que-humanos, e imaginar que mundo-em-comum é esse que queremos co-criar, simpoieticamente.

    Álvaro

  • queres que conte?

    queres que conte?

    que alegria caminhar com o prazer de caminhar. a cidade e a noite ajeitam-se a essa espécie de carinho de acompanhar um corpo que não vai à pressa, a queixar-se da vida, cansado de carregar coisas nas costas e na alma. as pernas lançam-se sem esforço, quase saltitando, como se um ser mágico me levantasse o rabo a cada passo. atravesso quem vem pôr o lixo à porta, as janelas entreabertas com a televisão ligada e a mesa ainda posta para o jantar que já passou. numa esquina, um restaurante minúsculo com um senhor aninhado a ler o jornal, sózinho nas três mesas da salinha, e na parede mais ou menos branca o quadro do menu diz: HOJE HÁ AMOR:

    há também muitas e muitas pessoas a ajeitar os cartões para dormir na rua, os sem tecto. as rendas tão caras e os bolsos tão vazios. não tem nada de lindo estarcom essas formas de vida que sinto ressoarem com a minha que tenho o luxo de ainda dormir numa cama dentro de uma casa, junto à varanda onde o lá fora é uma escolha. mas a poesia do andar andando, perdida em cada momento embora saiba para onde vou, dá-me um sorriso interno que desaperta o coração.

    passo debaixo da ponte, queres que conte? a avó inocência, lá no pó de estrelas onde me espreita, vem de novo contar a sua história…era uma vez.

    sofia

  • Demora sob a azinheira-caramanchão (5): musgos e líquenes

    Demora sob a azinheira-caramanchão (5): musgos e líquenes

    Entre os seres notáveis que povoam as zonas mais sombrias (mas não só) das imediações da azinheira-caramanchão, destaco dois que me têm fascinado: os musgos (grupo mais antigo das plantas terrestres) e os líquenes (holobiontes que juntam um parceiro fotoautotrófico – alga e/ou cianobactéria, o fotobionte – com um ou mais fungos, os micobiontes). À medida que tenho praticado o encontro com estes dois grupos de organismos, que convivem muitas vezes lado-a-lado, o meu olhar vai percorrendo os troncos das árvores, a superfície das pedras ou o próprio solo, à procura da sua presença. Tenho assim constatado não só a sua surpreendente omnipresença e diversidade, como também algumas peculiaridades na sua localização ou nas especificidades de associação com certas árvores. Por exemplo, apenas no muro virado a norte que delimita a Tapada da Ajuda, encontrei um líquen que desenha uns belíssimos padrões concêntricos, assim como um musgo que se espalma na superfície, lançando ramificações rastejantes em diversas direcções. Já na casca dos pinheiros mansos, e apenas aí, encontrei um líquen de cor amarela fluorescente, que se assemelha a pó ou a uma tinta (a sua designação em inglês é elucidativa: ‘mustard powder lichen’). E apenas nos troncos dos freixos encontrei um outro líquen que lança umas peculiares projecções ramificadas. Um aspecto que me apraz destacar é que em qualquer dos casos, em face da sua longevidade como grupos distintos e apesar de alguma diversificação ecológica e geográfica, as espécies actuais de ambos os organismos retêm estruturas e modos de viver que não deverão diferir muito das dos seus ancestrais, que terão surgido há algumas centenas de milhões de anos. Ou seja, o seu aparente sucesso evolutivo e ecológico não parece ter dependido de elaboradas inovações ou complexificações. A simplicidade e a frugalidade são na verdade, em muitos casos, atributos de modos de vida resilientes e prósperos.

    Álvaro