Demora sob a azinheira-caramanchão (1)

Nas minhas deambulações por Monsanto cruzei-me com uma azinheira que me cativou pela forma da sua copa que fazia lembrar um caramanchão. Esse encontro activou em mim algumas ligações mentais-sensoriais que remeteram para as estruturas que são construídas pelas aves-jardineiro* (possível tradução para a palavra inglesa ‘bowerbird’, que designa um grupo de aves da Papuásia e Austrália), com as quais me tinha cruzado ao investigar para um post que escrevi sobre a hipótese do músico e filósofo norteamericano David Rothenberg que ele designou por ‘survival of the beautiful’. Não me interessou agora tanto a discussão em volta da validade dos atributos de artistas ou arquitectos que são conferidos àquelas aves, mas mais a sua actividade de recolectoras ou colecionadoras de objectos que encontram nas florestas onde habitam. Nas últimas semanas tenho visitado regularmente aquela azinheira singular e demorado sob a sua copa. Em cada visita deixei-me levar pelo impulso de recolher e trazer para ali diferentes objectos que fui encontrando nas imediações, alguns deles assumidamente inspirados nos que são escolhidos pelas aves-jardineiro. As acções de selecionar e compor os diferentes objectos que fui recolhendo – flores, líquenes, pinhas, ramos, pedras, cascas de pinheiro, hastes de gramíneas, sementes – levaram-me, por um lado, a reflectir sobre as qualidades que motivavam as minhas próprias preferências e, por outro, a experimentar o puro gozo desse mesmo exercício. Desconfio que é a alegria e o deleite desses gestos que me fazem ali voltar e demorar, alimentando o desejo de cada (re)encontro.

Álvaro

* Para saber mais sobre estas aves e os seus caramanchões (‘bowers’) ver nestas ligações:

https://www.archdaily.com/873098/power-to-the-bower-a-birds-architectural-method-of-seduction

https://www.utne.com/arts/art-of-the-browerbird-zm0z14uzwil/

https://pt.wikipedia.org/wiki/Ptilonorhynchidae

Leave a comment